sábado, 18 de abril de 2009

Mudança

Da boléia do caminhão ele viu o Morro plantado na mata densa. Tudo ali lembrava os filmes de Tarzan. Faria cinco anos em junho. Era janeiro de 1968 e chovia. Havia encrencado com o irmão para ir na carroceria, junto com o cachorro, a cristaleira, o fogão, a Frigidaire e a Telefunken novinhas – orgulhos da família, talvez as primeiras do bairro. Agora, aconchegado nos braços da mãe e protegido da chuva, observava curioso o cenário do novo endereço, enquanto um alvoroço lhe assaltava a alma com a nova descoberta: o significado da palavra mudança. Encantou-se com a mangueira pejada de frutos na encosta do morro; ao fundo, a casa 333, coberta de palha, feita de taipa, de enchimento como se dizia então. Era a segunda a partir da esquina, onde uma outra, de madeira, dois andares, escorada por estacas, soalho suspenso, abrigava galinhas, patos, pombos, picotas, perus, um casal de porcos, gatos, matilhas inteiras e uma fauna acompanhante infinita para os sentidos de quem começa a descobrir o mundo. Apascentando o rebanho, uma única família - dez pessoas sob o manto da matriarca, frágil no trato, firme na fé e nos princípios. De sua cadeira de balanço, no alpendre, daquele raro pedaço de terra que apontava para o alto, Dona Francisca regia uma intrincada teia de gaiolas de miriti com seus tristes passarinhos dentro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário