sábado, 18 de abril de 2009

Marisca

Tava ali, emburrado, orelha ardendo, mais de vergonha que do tabefe da mãe ou do ferrão da saúva. Haviam esquecido ele no meio do leva-e-traz de móveis, que subir aquele morro não é fácil, principalmente depois do aguaceiro que alagou a cidade e transformou em cachoeira o canal na Vila do Manelão, amontoado de quartinhos mal-cheirosos adentrando a Matinha. O menino olha, com inveja, os moleques que se esbaldam em meio à lama e ao mato, comendo manga e abiu, fazendo guerra de ingá e balando caroço de açaí um no outro. Ninguém de chinelo ou camisa, todos imundos de lama e chuva, mergulhando no igapó em liberdade. Então, aquilo era ser mais velho? Aquilo era ser moleque? – matutou, no momento exato em que viu uma saúva se debatendo, a teia na cumeeira da casa, e a aranha que se esquiva dos pingos que lhe ameaçam o almoço. Nesse instante, ela cruzou seu caminho.
Cabelo sarará, short curto, olhos de amêndoa, pele escura, enorme boca pura, lábios porosos, Tanajura! Aquela que te perspega a dor de uma saudade! Viu ela se acocorar na porta da casa, pires de sal e faquinha nas mãos, olhar pra cima da mangueira, fechar um olho como quem mira, procurar o melhor ângulo e, num átimo, saltar, apoiar um pé na saliência do tronco, segurar-se num galho e escalar, osga lépida a ignorar lei da gravidade, mangas suculentas ao alcance de vara ou pedrada, sem contar as esmolecidas no chão, entregues à umidade, mato e lama. Mas que sabor pode estar ao alcance deste paladar que se confunde com os galhos e folhas da mangueira que chove renitente sobre nós, imperiosa, mesmo depois que a chuva passa, absolutamente alheia aos humores do tempo? O garoto olha para cima, confuso, à procura daquela uma, visagem que se esgueira e vira manga, folha, galho.

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